segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Projecto Internacional de Categorização das Casas-Museu

Dr.ª Maria de Jesus Monge
Directora do Museu da Casa de Bragança / Paço Ducal de Vila Viçosa
Vice-Presidente do DEMHIST - Comité do ICOM para as Casas-Museu e Casas Históricas


Bom dia a todos.
A maioria conheço bem, por termos andado nestas andanças já nos últimos anos. De qualquer forma, vou falar-vos um pouco da génese do DEMHIST, sei que metade a conhece, os outros não tanto: como nasceu, se desenvolveu e portanto, antes de começar a explicar o projecto de categorização, vou falar um pouco da instituição e das pessoas que têm estado a trabalhar por detrás deste projecto nestes últimos anos.
O processo de categorização surge no seio do DEMHIST, que é o comité temático internacional do ICOM para as Casas históricas, Casas-Museu. O ICOM, como saberão todos, é a instituição associada à UNESCO que trata dos museus a nível mundial. Devido à imensidão de membros que incorpora e às questões muito específicas que têm a ver com dois níveis: o nacional e o temático, divide-se em comités nacionais e temáticos. O ICOM tem, para além de comités nacionais, comités temáticos, aqueles que reúnem os profissionais de museus de acordo com as suas especificidades e não por origem nacional. Como compreendem estes têm, na nossa perspectiva, muito mais interesse porque possibilitam a discussão de questões comuns a todos, viabilizam projectos de trabalho e permitem mesmo objectivar questões que a todos interessam.
O comité das casas históricas é relativamente recente, tem cerca de 10 anos. O projecto nasceu essencialmente de um encontro que teve lugar em Génova e daí resultou a publicação Abitare la storia.
Houve então toda uma movimentação a nível internacional, que já tinha desenvolvimentos noutros países. No Brasil, uma reflexão bastante alargada sobre esta temática foi iniciada por Magali Cabral desde inícios dos anos 90. Magali Cabral pôs em marcha na Casa de Barbosa uma série de iniciativas, que deram lugar a conferências, por sua vez publicadas. Os brasileiros têm uma forma muito diferente da nossa de abordar as questões, muito mais conceptual, muito mais virada para a vertente universitária e, portanto, para um enquadramento muito mais teórico e não apenas prático das questões, dando uma dimensão diferente.
Outro país que também investiu na reflexão nesta área foi a Itália, entre outros através de Rosanna Pavoni, que está ligada à Universidade de Milão e foi directora da Casa-Museu Bagatti‑Valsechi.
A proposta de criação de um comité foi feita por Giovani Pinna, Presidente da comissão nacional italiana do ICOM, no seio do comité para as artes decorativas. Estatutariamente tem que ser um comité a dar nascimento a outro e na Assembleia-geral que se realizou em Melbourne, na Austrália, é votada a criação deste novo comité – DEMHIST, do francês “demeures historiques”. Os estatutos foram votados e os primeiros passos foram dados no Peterhof em S. Petersburgo, na Rússia.


Reuniões Anuais e Respectivos Temas
2000 Génova – Historic House Museums speak to the public versus a Philological Interpretation of History
2001 Barcelona – New forms of management for Historic House Museum
2002 Amsterdão – Historic House Museums as witnesses of National and Local identities
2003 Lenzburg – Historic House Museums: facing and solving the challenges
2004 Berlim – Rooms with a view. Historic House Museums and their Surroundings
2005 Lisboa – Safekeepers of memory: conservation of buildings and their collections
2006 La Valetta – Ethics and Principles in Historic Houses Management
2007 Viena – A Kingdom for a House! Historic House Museums as Local, Regional and Universal Heritage
2008 Bogota - Historic House Museums as a bridge between the Individual and the Community
2009 Stavanger – Historic Houses as documents of social life and traditional skills


Olhando para a lista de encontros realizados, desde então, dá a sensação de que somos uma espécie de agência de viagens temáticas. Esta variedade de locais é uma tentativa de ir ao encontro de várias realidades e profissionais de várias origens e países, como vêem pelos temas.
As temáticas que têm sido abordadas tentam ir ao encontro de inúmeros desafios, de inúmeras questões que vão surgindo quando se trata de uma Casa-Museu, que são tipologias muito complexas. Quando falamos em museus de artes decorativas, museus de ciências naturais, museus arqueológicos, aí a variedade também é grande, mas nós temos questões que são transversais a quase todas as tipologias porque albergamos todo o tipo de objectos. A tudo isso sobrepõe-se o facto de, muitas vezes, termos espaços monumentais, como aquele em que nós estamos neste momento, aliás é um caso muito particular que voltaremos a falar durante o dia. A casa que nos acolhe hoje, para além de ter colecções, tem edifícios que são monumentos, e há que conjugar do ponto de vista da conservação, objectos e espaços sem afectar nenhum, portanto desafios que por vezes nos parecem quase insolúveis.
Não vou referir todas as temáticas abordadas, chamo a atenção para dois: muitos de vós estiveram presentes no encontro que se realizou em Lisboa, em 2005, particularmente virado para as questões da conservação (“Safe Keepers of memory: Conservation of buildings and their collections”), uma das reuniões em que se falou mais da conservação e a de Stavanger, este ano, porque foi a última e abordou um tema (“Historic Houses as Documents of Social Life and Traditional Skills”) fundamental, nós estamos no ponto em que ainda podemos beneficiar de uma última geração de artífices. Temos constantemente o problema, que outras tipologias de museus não têm, de manter os nossos edifícios como foram legados, o que implica recorrer muitas vezes a técnicas que se estão a perder muito rapidamente: exemplos práticos das chaves antigas, passando por coberturas, ou outras tradições construtivas.
Muitas das Casas-Museu do Norte da Europa não têm a dimensão monumental que têm outras, por exemplo, em Inglaterra, onde aquelas mansões soberbas que povoam a nossa memória já eram visitadas pelos viajantes do século XVIII, na Noruega não é esse tipologia de museu que nós encontramos. Quando fomos, por exemplo, para a Colômbia, até à data a única reunião fora da Europa, apercebemo-nos que há toda uma série de museus com características muito diferentes, mas que também são Casas-Museu.
A principal função do DEMHIST não é fixar um conceito, impor uma definição redutora do que é Casa-Museu, dizendo que tem que ser isto, aquilo, ou o outro. Nós temos uma função muito mais inclusiva, o objectivo é abrir e não fechar, ver até onde é possível levarmos a nossa reflexão, dentro de uma tipologia que já percebemos ser muito abrangente, incluir novas realidades: o encontro de Stavanger foi justamente dedicado a uma tipologia de museu que normalmente tem menos visibilidade.
A primeira questão que se colocou ao DEMHIST foi, naturalmente, o que é uma Casa‑Museu? Quando falamos de outras tipologias, por exemplo, um museu de artes decorativas alberga artes decorativas, mas quando chegamos às Casas-Museu, como tenho vindo a referir, as realidades são muitíssimo abrangentes, como se vê pelas instituições que foram acolhendo encontros DEMHIST ao longo destes anos.
Já agora, para termos uma ideia muito rápida:

  • O encontro de Génova foi albergado por um palácio italiano em Milão; o encontro de Barcelona foi incluído numa assembleia-geral, portanto foi iniciativa oficial e não esteve ligado a nenhuma Casa-Museu em particular, visitamos uma série de instituições;
  • Em Amesterdão foi o Instituto de Conservação, que tem desenvolvido uma actividade importantíssima na área da conservação destes espaços, com necessidades muito específicas, que nos acolheu. Os holandeses têm trabalhado estes assuntos e publicado algumas reflexões, infelizmente em holandês;
  • Em Lenzburg foi um castelo alemão, dos que existem em grande profusão nas paisagens do Norte da Europa;
  • Em Berlim, o encontro foi organizado pelos palácio reais de Charlottenburg e Potsdam, a grande dimensão da Casa-Museu;
  • Em Lisboa, foi o Museu de Etnologia que nos acolheu, mas tivemos oportunidade de visitar muitas das instituições que em Lisboa têm esta missão, Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Casa-Museu da Fundação Medeiros e Almeida, fomos aos Palácios Nacionais da Ajuda, Pena e Sintra, e à Casa-Museu Leal da Câmara, em Sintra;
  • Em La Valleta, a organização esteve a cargo de uma equipa de restauradores de espaços com estas características;
  • Vienna foi de novo uma assembleia-geral do ICOM;
  • Bogotá, capital da Colômbia, foi uma experiência muito curiosa porque a realidade sul-americana é sempre diferente daquela que nós conhecemos. As Casas-Museu que nós encontramos lá, se nós fossemos para uma definição muito apertada, não havia nenhuma porque obviamente as condições sócio-económicas são completamente díspares. Para alguns membros do DEMHIST esta abertura não seria particularmente útil, o encontro foi um sucesso nesse sentido: nós temos que alargar cada vez mais a nossa área de interesses e chegar aos colegas que justamente querem beber da nossa experiência, também em busca de soluções para os seus problemas do quotidiano;
  • Finalmente, em Stavanger, foi um conjunto de 30 casas, dentro daquele conceito de recuperação de casas tradicionais que os escandinavos vêm a desenvolver desde o tempo dos museus ao ar livre, que começaram ainda no final do século XIX e que, neste momento, tenta recuperar e manter as casas in situ porque só assim permite beneficiar do ambiente natural em que eles se desenvolveram.
Vista esta abrangência, torna-se difícil tentar definir o que é uma Casa-Museu.
Todos temos tendência para nos revermos na casa onde trabalhamos e daí, muitas vezes, a importância do enquadramento universitário. Quem está de fora pode olhar sem preconceitos para o material que nós temos em mãos e, sobretudo, para aquilo que nos deve mover - este tem sido o objectivo do DEMHIST. Pegar em questões muito concretas, definir qual é a missão (todos os museus têm uma missão, uma política de incorporações), interpretar o espaço e as colecções em função desse objectivo, criar projectos de restauro e conservação, de educação e divulgação, de marketing, resultantes da reflexão sobre a realidade concreta com que temos de lidar.
No caso do museu onde trabalho (o Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, instalado no Paço Ducal e Castelo de Vila Viçosa), não há quase nada que não esteja representado! É muito complicado em termos de conservação, mas também em termos de interpretação, definir a que se deve dar prioridade.
Normalmente, as Casas-Museu têm um patrono, têm uma figura que de alguma forma orienta a criação e é importante para a interpretação do espaço. No entanto, não é sempre assim, há determinadas situações em que as casas representam vivências de um grupo sócio-económico, a Casa do Pescador, a Casa do Oleiro, que são realidades que têm muito a ver com o emergir da nova museologia e que libertam, de alguma forma, o conceito de casa da obrigatoriedade de partir exclusivamente de uma figura eminente. Temos vários casos, na Casa de Camilo é a figura de Camilo, na Casa de Teixeira Lopes é Teixeira Lopes, no caso das casas de coleccionadores, é obviamente aquilo que nos foi legado pelo coleccionador, aquilo que esse personagem, escritor, pintor nos deixou e aquilo que tem a ver com a sua vida, mas que se vai desenvolvendo com novos estudos.
Tudo isto tem a ver com a missão e com uma particularidade: é que a pertinência do patrono, a pertinência da pessoa ou conjunto de pessoas que são a razão de ser da Casa-Museu, condiciona muitas vezes a sua existência e todos nós já temos experiência. Tivemos alguns exemplos muito concretos, nas outras reuniões do DEMHIST, de casas que deixaram de ter pertinência, ou seja, por qualquer razão que se prende com infindáveis motivos, aquela pessoa deixou de ser importante, deixou de ser novidade – o que é que se faz com aquele espólio? Há sempre duas soluções: ou se torna a dar pertinência ao personagem, que muitas vezes é esquecido sem nenhuma razão aparente, ou efectivamente há que ter em conta que deixou de ter relevância.
Isto remete-nos para uma questão importante, em Portugal, e de uma forma geral na tradição europeia, os museus não são supostos “acabar”. Temos noção de que o património uma vez entrado num museu nunca mais volta à sua vida activa, ou seja, ao contrário dos americanos e de algumas outras tradições em que é possível vender o espólio do museu, nós temos esta tradição de que tudo aquilo que uma vez entra no museu acabou a sua vida útil e que o museu, uma vez criado, está ali para todo o sempre, nem que se torne um museu dele próprio.
O que está a começar a acontecer, também por circunstâncias sócio-ecomómicas, é que nós temos neste momento o problema permanente da sustentabilidade das instituições onde trabalhamos. Evidentemente que uma gestão que respeite os princípios museológicos nunca é rentável, por muitas festas e eventos que possamos fazer no espaço em que trabalhamos. Podemos procurar melhores condições de trabalho, meios para desenvolver projectos, orçamentos que melhoram as nossas condições de funcionamento, mas tem sempre que haver alguém que suporte financeiramente a instituição. E uma das nossas principais missões é torná-los fundamentais para essa entidade, seja o Estado nas suas várias vertentes, seja a associação, a fundação, um espaço institucional em que a casa-museu está inserida. E tudo isto acaba por envolver estes três aspectos que são fundamentais para o quotidiano, mas que justamente estão subjacentes à reflexão sobre o que é a Casa-Museu e concretamente qual é a missão, qual é o propósito daquela em que estamos a trabalhar.
Como disse, a reflexão em torno das Casas-Museu começou nos anos 80. Esta é talvez uma das questões que tem corrido mundo e sido mais debatida, até porque foi aquela que Giovanni Pinna, o fundador do DEMHIST, escolheu para de alguma forma enquadrar o novo comité temático. O Prof. Pinna definia três tipologias de museu, de acordo com a obra de Butcher-Younghans:

  • Casa-Museu Documental – um local que conta a vida de um personagem ou lugar de interesse histórico ou cultural, onde os objectos devem ser originais;
  • Casa-Museu de Representação – um espaço representativo de uma época ou estilo de vida, que pode integrar objectos de diversas proveniências, inclusivé réplicas;
  • Casa-Museu Estética – o local de exposição de uma colecção privada, onde o contentor logra uma simbiose com o conteúdo, transformando-se em um dos objectos da colecção.
Evidentemente que, o ideal, é sempre termos o contentor (a casa original), o conteúdo (um espólio, um acervo que tem a ver com o personagem) e o personagem (a figura que, no fundo, é a razão de ser daquele conjunto), mas todos sabemos que não é bem assim. Muitas Casas-Museu que acabam por não estar no espaço original, de alguma forma transpõem a memória para o espaço possível. Problema adicional em muitas das Casas-Museu é o reduzido espaço em que estão inseridas, o Paço dos Duques em Guimarães e o Paço dos Duques de Vila Viçosa serão excepções, mas há em muitos casos espaços muito pequenos e cumprir as funções museológicas no espaço de uma casa relativamente humilde, de duas ou três assoalhadas e, ainda por cima, tendo que manter tanto quanto possível a disposição de espaços e colecções, este é normalmente um dos grandes desafios que se coloca a quem está a trabalhar e a desenvolver projectos dentro de uma Casa-Museu.
Por outro lado, também acontece com alguma frequência haver instituições que acumulam os três: a Casa-Museu Documental porque é um lugar de poder histórico ou cultural e os objectos são originais, a Casa-Museu de Representação, quantas vezes as casas de determinado personagem acabam por estar inseridos em espaços que por si só são também documentais e finalmente a Casa-Museu Estética que, com muita frequência, justamente a componente de belas-artes, de artes decorativas estão presentes nesses espaços.
Alargar estas classificações de Casas-Museu pode funcionar no hemisfério Norte, podia funcionar nas instituições com características que são aquelas que os anglo-saxónicos encontram, mas dificilmente se podem aplicar no universo mediterrânico e quando, descemos para sul do equador, então aí a coisa complica-se.
Há uma coisa que, sendo um comité do ICOM, é essencial e nenhuma Casa-Museu pode ser do seio do DEMHIST, do ICOM, sem respeitar a definição de Museu. Esta é a primeira, e única, condição necessária para neste momento fazer parte desse grupo de reflexão.
A definição é aquela definição que todos conhecem, alterada nos últimos tempos porque passaram a estar também integrados os testemunhos imateriais, de que todos nós temos ouvido falar ultimamente de intangível, da memória. Recentemente foi apresentada uma tese de mestrado na Universidade de Évora sobre esta temática, cuja autora está aqui, e seria interessante ouvir a sua opinião sobre a forma de aplicar estes conceitos às Casas-Museu. É uma forma de aproximar o que é fundamental da Casa-Museu, em que as memórias são de facto a matéria-prima fundamental e ninguém visita uma casa sem memória, algo que irá partilhar e daí a importância do espaço doméstico, daí também a magia que leva às vezes a fazer quilómetros de viagem para poder partilhar o espaço que foi vivido por um escritor, por um artista com o qual nós sentimos uma particular relação.
Portanto, esta definição que poderão encontrar no site do ICOM, no site do ICOM Portugal e que foi alterada, saiu recentemente no novo código de deontologia que foi justamente traduzido com os colegas brasileiros, pelo que houve que fazer alguns pequenos ajustamentos em termos de terminologia.
"Os museus são instituições permanentes, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e seu desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem, preservam, pesquisam, comunicam e expõem, para fins de estudo, educação e lazer, os testemunhos materiais e imateriais dos povos e seus ambientes."


Antes de tudo mais, antes de avançar para a definição de Casa-Museu, aquilo que é a nossa base de trabalho é a necessidade de respeitar a definição do ICOM de Museu, o que coloca logo muitas questões. A maioria do universo das Casas-Museu em Portugal tem tido logo o problema de conseguirem estar abertas ao público, começamos com uma coisa tão simples como isso, é a dificuldade de muitas vezes com recursos humanos risíveis e de recursos económicos também praticamente inexistentes, conseguir manter em funcionamento com período de abertura fixo, com um horário que o público conhece.
A seguir vem todo uma série de funções museológicas a cumprir, como seja preservar, pesquisar, comunicar e expor conteúdos. O expor que além do mais as Casas-Museu implica o duplo desafio de, por um lado, manter tanto quanto possível os espaços intocados e, por outro lado, manter a atenção e a vontade de o público continuar a visitar o espaço e evitar a percepção de que “aquilo não muda não vale a pena lá voltar”.
Portanto, é um desafio permanente que nós temos que encarar. E cá estão os materiais do espólio e dos seus ambientes, sendo que o ambiente acaba por ser uma das questões que condiciona muito a apresentação porque o enquadramento urbano, onde a casa foi erigida, normalmente acaba por ser tão alterado que se torna difícil explicar, a quem visita o espaço arquitectónico, como é que era a envolvente que justificou a inserção de determinados espaços, determinadas opções na edificação daquele edifício.
Tudo isto levou-nos, então, ao projecto de categorização, como é difícil criar uma definição de Casa-Museu, chegou a ser pedido a alguns membros do DEMHIST, houve algumas contribuições, mas chegou-se à conclusão que primeiro deveríamos conhecer o nosso universo de trabalho, quais são as instituições museológicas que se identificam com este termo, não com este ou aquele conceito.
Avançámos então para o projecto de categorização, o que é que pode ser considerado uma Casa-Museu? Quais são as várias categorias que ambicionam usar este ‘rótulo’? Este projecto foi iniciado por Rosanna Pavoni, a primeira secretária e depois a segunda presidente do DEMHIST, que começou pela criação de uma ficha de pré-categorização, que muitos de vós conhece. Esta ficha foi resultado da acção de Rosanna Pavoni na Universidade de Milão, mas essencialmente da sua acção como conservadora da Casa-Museu Bagatti Valsecchi em Milão onde esteve um número de anos razoável. Partindo de uma versão original em italiano, foram feitas traduções por vários colegas: português, espanhol, inglês, alemão, holandês.
O DEMHIST é um comité internacional, vive da boa vontade de quem a ele se associa, por isso, as línguas que aqui aparecem têm a ver com os membros da direcção que os traduziram. A direcção do DEMHIST teve até recentemente dois membros de língua portuguesa, neste momento não temos nenhum brasileiro. Infelizmente, por razões que não vêm ao caso, os portugueses normalmente não participam, o que é gravoso porque acabam por ser tomadas decisões, acabam por decorrer discussões que onde teríamos todo o interesse em participar, até para desenvolver as próprias temáticas. Dificilmente podemos não participar e beneficiar dessas reflexões. Não tem sido o caso do DEMHIST, têm tido sempre portugueses, nós os três já participámos em várias reuniões. Este ano este ano a Assembleia Geral do ICOM é em Xangai, em 2011 o encontro anual do DEMHIST será na Bélgica.
O projecto de categorização começou assim por Itália e avançou pelos países em que foram sendo feitas traduções, que resultaram em 300 respostas, sendo depois conjuntamente trabalhadas primeiro por Rosanna Pavoni, depois por Hetty Berens (NL) e Julius Bryant (GB) para dar o resultado que nós chegamos actualmente.
Esta ficha foi resultado da reflexão do comité italiano. Neste momento tem 10 anos, já podia haver algumas alterações substantivas, mas foi com este instrumento que nós começamos e não fazia sentido a meio do percurso alterar o instrumento de trabalho, sob pena de depois não se conseguir fazer uma leitura equitativa de todas as respostas que vamos obtendo. Assim mantivemos a ficha, apesar de que muitos colegas aqui em Portugal sugerirem algumas alterações, mas tínhamos que o manter igual para todos senão iria deixar de ser útil a sua utilização.
Em Portugal, eu enviei a ficha a uma lista de instituições que me foi enviada pela Rede Portuguesa de Museus. A Rede Portuguesa de Museus, como sabem, tem a lista de todas as instituições que integram o tecido museológico português, são muitas as instituições que se chamam Casa-Museu, há várias instituições que também podem ser incluídas neste conceito, mas não usam esta terminologia, por exemplo, em Portugal, os palácios não são considerados Casas-Museu, e quando se faz o levantamento dessas instituições, não aparecem nos estudos. Esta questão é interessante porque cria-se a noção de que a partir de um determinado nível, não sei se de dimensão, se de riqueza de colecções, porque é que o palácio é mais ou é menos ou é diferente – repito que esta “curiosidade” é uma especificidade nacional.
Isto para vos dizer que não é fácil fazer chegar o inquérito a todos os potenciais interessados, por exemplo, a Casa de Camilo não tem a palavra museu. Depois há situações que também são difíceis de detectar, caso das Casas-Museu que estão associadas aos grandes museus nacionais, por exemplo Soares dos Reis e Grão Vasco. E, a não ser que nós saibamos que estão lá, têm uma espécie de invisibilidade para quem está longe geograficamente.
Não foi fácil conseguir chegar à amostragem ideal para enviar este inquérito e aceito perfeitamente que me digam que ficaram de fora alguns que não deveriam ter ficado. Por outro lado, o dinamismo do tecido museológico desde os últimos 10 anos, fez com que tenham surgido muitas instituições e que estejam neste momento a surgir outras, o que quer dizer que o inquérito deixou de fora todos, como é evidente, que apareceram desde então.
O inquérito em Portugal foi enviado entre Outubro e Novembro de 2003, 48 formulários enviados, recebi 21 em troca e estão 15 listados na internet, quem for ao site do ICOM encontra este tratamento de dados feito pela Rosana e já com a atribuição da categoria que a autora entendeu seria a mais adequada.
E na sequência de tudo isto, tivemos felizmente também uma série de colegas que trataram a questão sobre outras perspectivas, uma das mais importantes é a da professora Linda Young, da Universidade de Camberra na Austrália, que tem acompanhado os trabalhos desde o início. Justamente, sendo o tema tão interessante e tão abrangente, o DEMHIST não tem só profissionais de museus, tem também um número razoável de professores universitários muitas vezes em dupla função, várias universidades têm na sua estrutura orgânica a tutela de Casas-Museu.
Linda Young propõe uma categorização e é ligeiramente diferente, mas que ajuda a esclarecer muitos dos conceitos que estão subjacentes. Na Holanda, Hetty Berens do Instituto de Arquitectura, e também membro da direcção, fez uma reunião semelhante a esta. Fruto do facto de trabalhar no IA conseguiu fazer a base de dados que está online, se quiserem aventurar-se num site completamente em holandês, percebe como trabalharam este conceito, pegaram nas categorias que foram encontradas e tentaram adaptá-las à realidade da Holanda, que sendo um país pequeno de tamanho mas densamente povoado, tem uma imensidade de instituições com essas características.
Em Portugal, as Casas-Museu concentram-se essencialmente a Norte do Mondego, a Sul há muito poucas, isto terá a ver, eventualmente, com a forma como nós olhamos para as nossas figuras de referência. Esta será uma questão muito abrangente que poderá ser tratada numa jornada de trabalho interessante.
O DEMHIST avançou com este projecto, que está online, mas sabemos que há pelo menos mais dois projectos de tratamento destes dados em curso: um no México que, neste momento, está também bastante empenhado em utilizar esta experiência de trabalho, para poder ajudar as instituições locais a chegarem a um grau de operacionalidade e o outro é o Brasil, que está sempre na dianteira quando se trata de questões de Casas-Museu.
Para terminar, eu coloco estas três questões que, eventualmente, retomaremos depois da parte da tarde, que tem a ver justamente com a razão de ser desta jornada de trabalho. Nós sentimos que, depois de termos andado estes anos a acompanhar este projecto, depois de já ter sido apresentado em Portugal, era nossa obrigação de alguma forma trazer aos colegas os resultados a que se chegou a nível internacional e também obrigar-nos um pouco a reflectir em que aspecto é que isto podia ser útil para nós.


  • Valor operativo do instrumento de pesquisa? É útil, não é útil, como podemos progredir?
Convém dizer que nós, em Portugal, já temos também um longo percurso feito na área das Casas-Museu, que começou com conferências sobre o assunto, que teve depois um momento importante no primeiro encontro na Casa-Museu Abel Salazar em S. Mamede de Infesta, e teve um segundo momento em Cascais, organizado com o apoio da Câmara de Cascais. Há um projecto de associação já com estatutos propostos, houve um blogue que esteve para arrancar mas que nunca avançou. Em 2008, organizado pela Casa de Camilo, realizou-se em Seide o primeiro Encontro Internacional de Casas-Museu.
É claro que todos nós sabemos que isto é um pouco da nossa realidade, esta dificuldade em desenvolver projectos, em fazer as coisas avançar, mas tudo isto reflecte interesse por esta tipologia, demonstrado não só pela vossa presença aqui, mas pelo facto de com alguma frequência ser possível organizar encontros e falarmos sobre este assunto. O que tem faltado é um fio condutor, que nos permita dar continuidade a este trabalho. Mais uma vez aqui estamos e vamos ver se com a discussão que nos propomos ter hoje à tarde conseguimos dar um passo no sentido de nos organizarmos um pouco mais, e capitalizarmos de forma mais eficaz este interesse que todos nós temos.
  • Utilidade prática do projecto, concretamente em Portugal?
É muito importante conhecermo-nos, almoçarmos juntos, discutirmos como estão os nossos projectos pessoais das nossas instituições, mas não justifica o esforço de nos deslocarmos e de participarmos neste tipo de iniciativa.

  • E finalmente, qual deverá ser a etapa seguinte?
O importante para isso não é só voluntarismo individual, tem que haver um pouco mais. E é esse o desafio que eu vos proponho para este dia de trabalho.

Muito obrigada

Dr.ª Maria de Jesus Monge
Directora do Museu da Casa de Bragança / Paço Ducal de Vila Viçosa
Vice-Presidente do DEMHIST - Comité do ICOM para as Casas-Museu e Casas Históricas